No silêncio das madrugadas, quando a maioria ainda dorme, há homens e mulheres que enfrentam o frio, a escuridão e as incertezas das águas. São os pescadores artesanais, guardiões dos rios, mares e da cultura tradicional. E neste 29 de junho, Dia do Pescador, a homenagem que lhes cabe deve ir além das palavras bonitas — deve ecoar como um grito de socorro.
O que antes era apenas um ofício passado de geração em geração, hoje tornou-se uma batalha diária contra um sistema cada vez mais hostil e burocrático. As recentes mudanças promovidas pelo Decreto nº 12.527/2025, publicadas às vésperas desta data comemorativa, colocam em xeque não apenas os direitos desses trabalhadores, mas sua própria dignidade, com intenção de moralizar, penalizam quem mais precisa: o verdadeiro pescador.
Do orgulho à precariedade: o drama das licenças e do seguro-defeso
Desde a implantação do sistema digital de registro de pescadores, ainda no governo anterior, o que se viu foi uma escalada de fraudes e descontrole. Com o simples acesso ao gov.br, qualquer indivíduo, mesmo sem jamais ter manuseado uma tarrafa, pôde pedir e emitir uma licença de pesca — peça-chave para requerer o seguro-defeso, um benefício essencial à sobrevivência dos verdadeiros pescadores durante o período de proibição da pesca, que tornou-se alvo de fraudes gigantescas ao longo dos últimos anos.
A ausência de filtros eficazes no sistema transformou a política pública em uma “fábrica de carteiras”, favorecendo atravessadores e falsos beneficiários. Agora, o novo decreto tenta corrigir com punho de ferro o que nasceu desestruturado. E quem paga a conta são justamente os legítimos pescadores.
Novas exigências, velhas injustiças
As novas regras exigem Registro Geral da Pesca-RGP homologado, comprovação anual de atividade, posse da nova Carteira de Identidade Nacional (CIN) e controle de renda automatizado. Além disso, transferem às prefeituras a responsabilidade de validar os registros — sobrecarregando gestões locais muitas vezes despreparadas, e revelando a fragilidade de um governo que se recusa a escutar quem vive a realidade da pesca: colônias, sindicatos e associações.
“O pescador agora precisa lidar com prazos, sistemas digitais e uma vigilância implacável. Mas quem fiscaliza o próprio sistema, seus erros e omissões?”, nova legislação tenta conter o rombo, mas mira no elo mais fraco, O que era para ser justiça virou punição coletiva.
Resistência nas margens: a luta continua
A ideia de coibir fraudes é correta, mas não às custas de quem vive honestamente da pesca, “Enquanto atravessadores se beneficiaram por anos do sistema, agora o governo transfere a responsabilidade para os pescadores e para as prefeituras, que não têm nem estrutura pra verificar quase nada. Pescadores relatam confusão, falta de internet, longas filas, perda de prazos e dificuldade em entender os sistemas digitais exigidos.”Há jovens que sonham em herdar as redes dos avós, mesmo sem saber se poderão viver da pesca no futuro.
Este Dia do Pescador não pode ser apenas simbólico. É hora de repensar a política pesqueira no Brasil com justiça, transparência e respeito à tradição. É hora de combater fraudes sem punir inocentes. De devolver aos pescadores o que lhes é de direito: o sustento, o reconhecimento e a voz.
⚠️ Algumas das mudanças no requerimento e quem tem direito ao Seguro-Defeso agora?
O pescador profissional artesanal que:
1. Está com o RGP ativo e homologado pela Prefeitura ou Distrito;
2. Exerce a pesca como única fonte de renda;
3. Não tem outro vínculo de emprego ou benefício previdenciário, com exceção de:
• pensão por morte
• auxílio-acidente
• benefícios sociais como Bolsa Família e similares
• Tem Carteira de Identidade Nacional (CIN);
• Mora em município abrangido ou limítrofe ao defeso;
• Homologou o RGP com a autoridade local, que verificará se há fraudes ou irregularidades;
• Renova anualmente a homologação do RGP;
• Apresenta declaração de que exerceu atividade pesqueira ininterruptamente nas áreas afetadas pelo defeso.
Neste 29 de junho, não basta celebrar. É hora de reconhecer os erros, corrigir os rumos e garantir que o pescador verdadeiro — aquele que honra o ofício e respeita o rio — tenha sua voz ouvida, sua vida protegida e seu direito respeitado.
🌊 Porque quem sustenta o Brasil com o peixe de cada dia merece mais que um aperto de mão — merece políticas públicas à altura da sua dignidade.
👍”No silêncio das águas, o pescador encontra não só o sustento, mas a poesia de um ofício ancestral que ensina paciência, respeito à natureza e esperança a cada novo amanhecer”.